REPORTAGEM

Escolas conveniadas: uma alternativa ao setor público?

Escolas conveniadas, ou escolas charter, são instituições de ensino privadas que se tornam parceiras do governo, absorvendo alunos que não encontram vagas na rede pública. Assim como o voucher educacional, o modelo de escola conveniada é também uma alternativa usada para sanar problemas da educação brasileira, entre eles, a escassez de vagas na rede pública.

“O programa de escolas conveniadas vem auxiliar o setor público diante de uma demanda cada vez mais crescente de vagas, com a possibilidade de uma resposta rápida e com otimização dos recursos públicos. Com ele, conseguimos transformar os custos fixos em custos variáveis. Contrata-se a estrutura para a qual se tem a demanda em determinado momento. É, sim, uma opção rápida e de custo adequado para os cofres públicos”, diz a Secretária de Educação de Joinville, Sonia Victorino Fachini.

Colégio Adventista da Bahia - Laboratório de Ciências - Créditos: divulgação
Colégio Adventista da Bahia - Sala temática - Créditos: divulgação
Colégio Adventista de Botafogo/RJ - Laboratório de ciências - Créditos: divulgação
Colégio Adventista de Botafogo/RJ - Brinquedoteca - Créditos: divulgação
Colégio Adventista de Canoas/RS - Sala de música - Créditos: divulgação

A experiência de Joinville

Com mais de 600 mil habitantes e cerca de 95 mil estudantes atendidos em 196 escolas públicas, segundo dados do Censo Escolar 2019, a cidade catarinense encontrou no convênio com instituições privadas uma alternativa para conseguir atender sua demanda escolar. Antes do programa de convênios, a prefeitura do município utilizou o sistema de voucher, no qual o valor da mensalidade era repassado à família que, por sua vez, realizava o pagamento na escola. No entanto, o programa, iniciado em 2009, foi descontinuado em 2013, pois não havia controle de qualidade das escolas particulares. Além disso, havia insegurança porque o dinheiro era transferido diretamente aos pais, segundo a Secretaria de Educação.

A solução encontrada, então,  foi migrar para a modalidade de convênios com edital de credenciamento – aquele em que as escolas particulares são selecionadas e recebem para “alugar” vagas na rede particular. O pagamento é realizado diretamente às escolas. Hoje (outubro de 2020), a Secretaria de Joinville compra vagas para  2.300 crianças em escolas conveniadas, em instituições privadas com e sem fins lucrativos.

A construção de 12 Centros de Educação Infantil (CEI), municipalização de escolas comunitárias e os próprios convênios aumentaram o potencial de novas matrículas. “Diante da necessidade de criar vagas em curto espaço de tempo, o convênio foi crucial. A ampliação da estrutura municipal absorveu parte dessa demanda, mas não foi suficiente. As escolas privadas continuam sendo estratégicas para o cumprimento das nossas metas. Atualmente, a maioria das vagas contratadas são para as crianças de 0 a 3 anos”, conta Sônia Fachini.

“Com isso, a família pode preocupar-se somente com a escolha da instituição, observando critérios de qualidade, localização e afinidade com a proposta”, complementa.

Como funcionam as escolas charters (conveniadas)

Para ser uma escola charter, em Joinville, as escolas privadas, que desejam participar, devem atender aos critérios estabelecidos em edital publicado pela prefeitura anualmente. Além de apresentar toda a documentação exigida, também precisam elaborar uma proposta de acordo com a capacidade técnica, plano de atividades para o ano letivo, metodologias, estratégias, recursos e Projeto Político Pedagógico.

A seleção das escolas eleitas consiste na avaliação por uma comissão, composta por técnicos e gestores da Secretaria de Educação, que, além da análise do projeto pedagógico, realiza vistoria nas instalações físicas da escola, para conferir a infraestrutura e a veracidade das informações. Condições prediais, recursos humanos, organização, qualidade das refeições e normas da vigilância sanitária são alguns dos pontos de observação. Uma vez habilitada, a instituição de ensino fica disponível como opção para escolha direta das famílias.

“Essa escolha é feita pelos usuários em um sistema eletrônico de cadastro de pré-matrícula”, explica Fachini.

O valor recebido por aluno é definido em edital e tem reajuste anual pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor – INPC. No último ano, as faixas de preço estabelecidas foram de R$ 334,16 para berçário, R$ 327,67 para maternal I e II (valores para período parcial). Para tempo integral, a vaga para berçário era de R$ 668,34 e maternal I e II R$ 655,34 mensais por criança. A prefeitura prioriza as instituições sem fins lucrativos e a gestão do contrato é acompanhada pela comissão fiscalizadora da Secretaria de Educação, que vistoria a execução dos serviços e faz os pagamentos com base na comprovação das fichas de frequência (com assinatura dos pais no final do mês) e relatórios de atividades.

Com a pandemia, o programa de escolas conveniadas permanece ativo, com pequenos ajustes, na forma de atendimento aos alunos, de remuneração e controle devido à suspensão das aulas presenciais.

“Buscamos alternativas para dar seguimento ao atendimento às famílias por meio de atividades no sistema não-presencial, no qual os professores orientam e sugerem atividades para serem realizadas em casa e fazem um acompanhamento disso, por meio de plataformas digitais ou material impresso, para alunos que não possuem acesso a internet. A grande preocupação era manter os laços com as famílias, garantindo às crianças o direito à educação. Sob o viés financeiro, atendendo às orientações do Tribunal de Contas e outras instituições de controle, os valores repassados para as unidades escolares sofreram alterações. Entendemos que as contratações para o período integral não cabiam mais no momento de ensino a distância. Todas as vagas passaram a ser remuneradas com o valor de vagas parciais, pois o atendimento deixou de ser o dia todo. As atividades passaram a ser aplicadas em apenas um período do dia”, explica a Secretária de Educação.

O retrato da falta de vagas na rede pública

Apesar da educação no Brasil ser considerada universalizada, diante da grande população do país, cerca de 2 milhões de crianças estão fora da escola. Por isso, o desafio de ampliar o número de vagas nas escolas públicas é sempre assunto que faz parte da pauta e das preocupações constantes de educadores, pais, alunos, gestores e administradores de inúmeros municípios ao redor do país.

Com o avanço na legislação educacional, porém, essa realidade passou a ser monitorada com ainda mais atenção, já que o número de matriculados nas escolas impacta diretamente no volume de recursos recebidos pelas prefeituras. Isso porque, desde 2007, com a Emenda Constitucional nº 53, se a cidade apresenta números baixos de matrículas, cai também os valores recebidos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb).

Segundo o Censo Escolar 2019, a educação básica tem 47,9 milhões de alunos matriculados e 81% deles estão nas escolas públicas. Atender plenamente a esse público é também uma questão de gestão financeira das prefeituras e estados, garantindo - ou não - o investimento crescente.

O Plano Nacional de Educação (PNE), aprovado em 2014, estabeleceu diretrizes, estratégias e metas importantes para mudar esse cenário de falta de vagas para os alunos brasileiros. Um dos maiores objetivos do PNE é ter 100% das crianças de 4 e 5 anos matriculadas na pré-escola até 2024 (hoje, são atendidas 93,8%). O governo também planeja aumentar o número de vagas em creches para atender, no mínimo, 50% das crianças com menos de 3 anos (em 2019 a cobertura era de 30,9%). Para entender a gravidade do problema, um levantamento feito pelo IBGE, em 2018, revelou que cerca de 6,7 milhões de crianças estavam fora das creches.

No ensino fundamental (6 a 14 anos), o cenário é um pouco mais animador: 98% das crianças estão matriculadas atualmente. O objetivo, no entanto, é de chegar a 100%. No ensino médio, a evasão continua sendo um entrave para alcançar a totalidade de matrículas entre adolescentes de 15 a 17 anos – por isso, o PNE pretende garantir que pelo menos 85% desses jovens estejam na escola. Em resultado parcial de 2018, a taxa de matriculados era de 68,7%. Segundo a ONG Todos pela Educação, em 2018, apenas 59,2% dos jovens com 19 anos concluíram os estudos - ou seja, a cada 100 jovens aproximadamente 41 não conseguiram terminar.

A situação mais crítica está no acolhimento de crianças de 0 a 3 anos: cerca de 1,9 milhões de vagas precisam ser criadas até 2024. A cobertura escolar (4 a 5 anos) de 100% até 2016 também não foi concretizada. O prazo foi estendido até o final de 2020, e pretende contabilizar a inclusão de 450 mil crianças.

Todos esses números – na maioria das vezes abaixo do desejado – mostra a incapacidade do sistema educacional municipal em dar conta da demanda de vagas no Brasil. Diante disso, uma das alternativas que tem se mostrado cada vez mais possível é fazer acordos com escolas privadas, criando assim o conceito de charter schools - ou escolas conveniadas. 

A história das escolas conveniadas no mundo e no Brasil 

Os Estados Unidos são os pioneiros do modelo, que surgiu na década de 1980, e foi adotado de modo customizado por países como Canadá, Austrália, França, Japão, Chile e Colômbia. Na Suécia, por exemplo, 17,4% dos alunos do ensino secundário (equivalente ao ensino médio) frequentam escolas conveniadas.

No Brasil, esse tipo de gestão é permitida pela legislação desde 1998.

A primeira experiência brasileira com escola charter, no entanto, só aconteceu em 2005, na capital de Pernambuco, Recife, em uma parceria entre o Governo do Estado, o Instituto de Corresponsabilidade pela Educação (ICE) e o colégio Ginásio Pernambucano. Na época da implantação, algumas condições foram estabelecidas: período integral, possibilidade de contratação de professores fora da rede pública (inclusive aposentados) e bonificação de professores conforme o desempenho e melhoria nas avaliações de aprendizagem. A cidade também foi pioneira ao criar uma legislação, para permitir que a escola buscasse diferentes fontes de recursos: investidores, empresários, patrocínios e doações.

A iniciativa pernambucana serviu de inspiração e estimulou outras cidades pelo Brasil. Com mais de mil escolas privadas associadas, a Associação Nacional de Educação Católica no Brasil (Anec) é um exemplo de êxito dessa parceria entre setor público e privado, e avalia a alternativa como um mecanismo de fortalecimento da educação, aumentando a quantidade de vagas e a diversidade de opções. Para o professor, doutor e presidente da instituição, Paulo Fossatti, “o modelo já é algo consolidado em diversos países e pode contribuir com a ascensão à educação, além de dar chance aos pais de optarem em ter seus filhos em instituições privadas com projeto pedagógico que venha ao encontro de seus interesses familiares”, afirma Fossatti.

“A cooperação entre o público e o privado, em qualquer área de negócio, traz ganhos para toda a sociedade. As diferenças entre as duas esferas se complementam, de forma a podermos entregar um serviço de primorosa qualidade às famílias, com o aspecto financeiro também resguardado e avançar de forma muito mais rápida na construção de um Brasil com soluções humanas e tecnológicas que melhorem a qualidade de vida de cada um de nós”, finaliza a Secretária de Educação de Joinville, Sonia Fachini.

Vantagens das escolas conveniadas

1
Administração mais dinâmica e autônoma, sem a burocracia do setor público
Concorrência sadia entre escolas
Solução rápida para a falta de vagas no sistema público
2
3

Desvantagens das escolas conveniadas

1
2
Variação nas metodologias de ensino
Diferentes níveis de qualidade de ensino
Professores com salários mais baixos em comparação aos professores da rede pública
3
Voltar
Continue a leitura