ENTREVISTA COM ARTHUR IGREJA

Como resumir 2020?

Quem é Arthur Igreja?

Como resumir 2020? O senso comum tende a responder que "esse foi o ano em que tudo mudou. E de uma hora para a outra." De fato, não podemos negar que muitos setores foram fortemente afetados pela pandemia, inclusive a educação privada,  onde o mercado viveu uma transformação sem precedentes. Mas, para o especialista em inovação Arthur Igreja nada do que aconteceu em 2020 foi realmente uma novidade. Segundo afirma, tudo o que vimos neste ano já vinha sendo "anunciado" há tempos: EAD, ensino híbrido, home office extensivo... O que houve, segundo ele, foi a necessidade imediata de colocar em prática ideias que nos pareciam fazer sentido apenas em futuro distante.  2020 foi um catalisador para acelerar processos, o ano em que a inovação deixou de ser opção e passou a ser regra. Para nos ajudar a organizar os insights e aprendizados deste período, entrevistamos Arthur Igreja, especialista em Inovação e Tendências.

Escolas Exponenciais:. O que vc entende por inovação?

Arthur Igreja: O tema inovação parece muito difuso, parece que só tem a ver com empresas estrangeiras de trilhões de dólares, mas eu acredito que inovação é fazer as coisas de um jeito diferente e gerando resultados melhores.  Dentro dessa definição não estão as palavras tecnologia, complexidade e investimento. O maior desafio é pensar simples. E se tem uma coisa que precisamos neste momento é de inovação.

EX: Por falar neste momento, como você resume 2020?

AI: Nós vivemos em 2020 uma situação absolutamente inédita. Tudo mudou em uma semana. O mundo mudou de uma hora para a outra e o mundo das tendências aterrissou no nosso colo. 2020 é o ano em que os slides virarem realidade.

EX: E quem já estava ligado nas tendências do uso de slides na tela saiu na frente, certo?

AI: Quem estava um pouco mais atento a estes movimentos de transformação está conseguindo passar por este momento de forma um pouco mais blindada. Existem três grandes categorias de escolas/empresas e de pessoas: O primeiro pelotão é formado por pessoas que já estavam entendendo para onde o mundo estava indo, um mundo mais digital, com maior uso de tecnologia, com uma crescente invasão do EAD na educação, uma forte discussão sobre modelos cada vez mais híbridos, maior comunicação com os pais,  ... Muitas instituições de ensino já estavam ligadas nisso e tiveram que fazer uma correção de rumo, pois já estavam se reinventando com alguma agilidade.  O segundo pelotão é formado por quem aproveitou o momento para mudar e ficar mais rápido. Por isso eu digo que houve escolas, professores, gestores, alunos, que serão salvos pelo coronavírus.

EX: Como assim salvos pelo coronavírus?

AI: Parece uma dicotomia, mas não é. Inúmeros professores nem imaginavam aprender essas ferramentas quase na reta de chegada da aposentadoria e acharam incrível essa reinvenção.

EX: E o terceiro pelotão?

AI: O terceiro é o daquelas empresas que dependem de que tudo esteja muito certo para darem certo. Essas empresas vão colocar em sua causa mortis “coronavírus”, mas o fato é que já tinham um processo de desconexão com o mundo.  Então esse pelotão é dos que já estavam prestes a desaparecer e que vão ter esse desaparecimento antecipado.

EX: No Evento Conecta Escolas Exponenciais Live, uma das suas frases mais interessantes foi que não houve mudança em 2020. Pode nos explicar melhor o que quer dizer?

"Não há nada
de absolutamente novo em 2020. Parece uma maluquice,
mas não é.

É o ano em que colocamos em prática o que já vínhamos aprendendo. Não existem elementos radicalmente novos. Um monte de coisa já estava pronta para ser usada e por alguma razão não usávamos. A gente precisava de um empurrão.

Assista à palestra completa "Transformando crises em oportunidades", com Arthur Igreja, no evento Conecta EX Live 2020:

EX: Dá para olhar 2020 por um bom ângulo?

AI: Muitos, apesar de parecer um paradoxo também. Existem alunos, por exemplo, que ficaram mais participativos e mais focados, eles não funcionavam com a antiga estrutura de poder. Os alunos já estavam no digital, nós que estávamos fora e agora estamos indo para o ambiente dos alunos, mais digital, mais interativo...  Claro que não a queríamos nada disso, mas temos que extrair lições deste momento, levar um safanão e aprender a refazer nossas vidas, como por exemplo, deixar de ficar 2 horas no trânsito por dia, reencontrar o papel do professor... Talvez nós precisássemos de um ano assim em nossas vidas.

EX: E qual foi a principal lição que aprendemos com esse “safanão”?

AI: Senso de humildade, de ver que as coisas podem mudar de um instante para o outro. Também senso de privilégio diante de tanta desigualdade. Foi um ano com recados muito poderosos.

EX: qual a grande lição aprendida em relação, especificamente à educação?

AI: Para mim, a grande lição é que inúmeras inovações na área de educação estavam mais prontas do que pareciam, e que, sim, sempre foi possível inovar. A barreira de fato era psicológica e comportamental. O ano de 2020 é o balão de ensaio da educação no futuro.

EX: O ensino a distância se mostrou muito importante, mas, nesse contexto, como trabalhar com os estudantes a socialização que é, sem dúvidas, fundamental para as pessoas?

AI:  A gente não foi feito para interagir via tela. Tudo isso tem um papel interessante, mas o legal é estar junto.  O ser humano sempre está em busca do escasso, do que não tem. E escassez neste momento é de convívio.

EX: E como tornar as pessoas mais humanas dentro de ambientes digitais?

AI: Esse é o maior dos desafios. Para tornar a pessoa mais humana em um canal digital, antes de tudo, ela precisa entender quais são essas limitações e os motivos que levam a perda de atenção tão facilmente. Para superar algo, é preciso reconhecer o gap. O ponto de partida é analisar os ganhos, onde se perde e as estratégias para mitigar os problemas.

EX: E como a comunicação mostrou uma importância gigante nesse tempo de pandemia, é realmente necessário resignificar a comunicação virtual?

AI: Com certeza a comunicação sempre está no centro de tudo. Por vezes, nos afastamos disso, direcionando atenção para um ou outro tópico metodológico e ferramental, mas no final é sempre a comunicação que está em primeiro plano. Essa nova aptidão - pois a comunicação virtual não é apenas falar em frente à uma câmera - exige outro tipo de linguagem e demanda conseguir evocar determinadas emoções que no presencial são fáceis de fazer, e no remoto dispomos de menos ferramentas. Para muitos, essa comunicação virtual é algo inédito.

EX: Dois setores foram fortemente atingidos pela crise do coronavirus:  educação e saúde. Como estes setores podem mitigar ou diminuir esses impactos?

AI: Sem dúvida e acredito que ambos saem muito transformados. A medicina em razão da telemedicina e da valorização do profissional de saúde que afinal de contas foi tão imprescindível nesse período. E o mesmo se aplica à educação, com um reconhecimento maior da importância dos professores, bem como um envolvimento maior por parte dos pais. A educação sai híbrida, com um dinamismo de ensino diferente, uma necessidade de promover metodologias ativas, oxigenação das competências dos gestores e professores, e um novo perfil comportamental por parte do aluno. O ensino remoto demanda muito mais disciplina e protagonismo. É fundamental analisar plataformas, falar com concorrentes, ampliar o diálogo com os pais, entender a transformação dos alunos, as ferramentas utilizadas, a gamificação. Continuamos com o sentimento do coletivismo, mas agora em formato de grupos de WhatsApp e plataformas. É essencial arregaçar as mangas e agir. Não adianta apenas analisar. Vamos ter erros pelo caminho, mas é preciso um start. Hoje, o gestor educacional precisa ter ainda mais consciência do seu papel de fazer acontecer.

EX: No evento Conecta Escolas Exponenciais Live você também destacou maturidade, impacto, e humanidade.  Por que devemos olhar com atenção para essas três palavras?

"Maturidade é conseguir ter a calma de entender que a vida não é uma corrida de 100 metros rasos, é uma maratona."

O maior desafio é manter algum grau de sanidade, calma. Conseguir ver as coisas com certa distância. Impacto é o que temos que provocar. Ser pessoas que quando entram em jogo mudam tudo. E por fim, a gente precisa mais do que nunca de humanidade, estender a mão, saber que tem gente que não tem as condições que gostaríamos, que vê o significado da escola como alimentação, pois depende da merenda escolar. O significado de escola é cuidado, proteção. Escola tem um papel que vai muito além do conteúdo que está sendo apresentado. Uma crise como esta acentua as desigualdades e temos que ter humanidade, entender que individualismo agora é algo estupido. A próxima fronteira é conseguir trabalhar com coração. E com tecnologia.

Assista à palestra completa "Especial para professores: Um novo começo", com Arthur Igreja, no evento Conecta EX Live 2020:

EX: Quais são os principais skill/habilidades para um gestor lidar com um momento como este? O que eles podem fazer de melhor pela educação?

AI: As principais skills são manter a calma - não no sentido de paralisação -, bem como dinamismo e energia. É um equilíbrio que não é fácil. Acredito que o gestor precisa dar respostas efetivas, agir e ser muito humano e empático em relação às fraquezas que afloram por parte dos pais, alunos e professores.

EX: As crises servem para a gente crescer. Transformar restrições em oportunidades, como você mesmo diz. Como a gente pode crescer a partir do que vivemos?

AI: Cooperação é essencial em tudo. Ninguém sozinho chega a lugar algum. Esses desafios são sistêmicos. Temos problemas sociais, tecnológicos e de formação. E os problemas, quanto mais amplos e transversais, demandam mais atores envolvidos. A única maneira de se evoluir em períodos de crise é usar as adversidades da melhor maneira possível. Ninguém estava esperando um ano como 2020. Então, é primordial saber aproveitar o lado bom. Não dá para fechar os olhos e esperar passar.

EX: Mas como encontrar caminhos para contornar essa pedra que caiu no meio do caminho de cada escola? Como lidar com tantas limitações?

AI: Estamos tentando montar um gigantesco quebra-cabeças, que envolve muitas peças. E sozinho é impossível. Precisamos de novas visões, trocas de experiências, compartilhamento de informações, análises. Para romper as limitações é fundamental boa vontade e diálogo, condições mandatórias.

EX: E como você vê o futuro da educação brasileira depois do que vivemos em 2020? Qual o grande desafio para a educação brasileira para o futuro próximo? 

AI: Vejo como uma educação mista e com uma capilaridade maior para chegar em inúmeros lares, para um leque gigantesco de pessoas e com maior flexibilidade. Em um país com tantas dificuldades e recursos escassos, tudo o que está ocorrendo reflexo da pandemia pode ser encarado como um sopro de novidade.

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